Um dos itens que compõe a história de vida dos jovens e de seus pais, são os desejos de infância, expressados lá no começo da vida, e que são perpetuados no imaginário dos pais, mas não dos filhos. Comum as crianças no decorrer da vida, "pularem" de profissão em profissão até realmente na adolescência terem mais consciência, e de fato "fecharem" com aquela profissão que julgam naquele momento ser a melhor escolha.
Tive alguns casos interessantes sobre esse assunto no decorrer da minha atuação, e um em especial, me chamou a atenção.
Estávamos no início de um ano letivo e essa aluna, de 17 anos, iniciando o 3º ano do ensino médio, e eu passando pelo corredor, me deparo com essa aluna sentada no chão sozinha com uma ar de muita angústia. Naturalmente parei, me abaixei e perguntei-lhe se estava precisando de ajuda. Ela imediatamente aceitou falar comigo.
Indo até minha sala de atendimento me relata chorando que desde muito pequena, expressou em casa o desejo de ser médica, e claro, criou uma enorme expectativa na família, em especial nos pais. A Medicina vem sempre rodeada de um imaginário onde tudo é maravilhoso. À começar pelo vestibular, onde você tem que vencer muita gente. Para os pais, o filho prestar vestibular para Medicina é um "cartão de visitas" muito positivo, dá muito orgulho, embora na prática saibamos que há toda uma ilusão no assunto. Quantas profissões belíssimas, quanta capacidade têm esses jovens para brilharem, seja qual for a profissão que escolherem!
E criança...........criança quer ser tudo! Quer ser médica, professora, bombeiro, jogador de futebol, corredor de fórmula 1, bailarina, e assim, tudo o que podem brincar, eles querem ser no futuro.
Mas, voltando ao caso. Essa aluna percebeu que não era Medicina que queria, mas queria ensinar, queria se dedicar ao ensino de alguma forma e expressou o desejo de saber mais sobre o curso de Letras.
Lembro-me da expressão de pavor e da dificuldade dela fazer esse relato com lágrimas correndo pelo seu rosto. Pensei comigo: tem alguma coisa atras disso que a está apavorando, além dela achar que vai decepcionar os pais. Continuamos conversando e ela me disse que não conseguia sequer partilhar essa dúvida com os pais, e principalmente com a mãe. Descobri então que a mãe era professora de Língua Portuguesa e se queixava demais do comportamento dos alunos, do retorno financeiro que era pouco. Já o pai trabalhava com transporte, e embora não tivesse o curso universitário, entendi pela conversa que ele teria mais compreensão do que ela estava passando, embora ele também estivesse muito feliz com a escolha inicial de Medicina.
Combinamos uma estratégia, e orientei-a à inicialmente conversar com o pai sobre a angústia que naquele momento a afligia, mas antes procuramos saber muito sobre ela, o perfil, o auto conhecimento e a pesquisa sobre o curso de Letras, Linguística e áreas afins, até para que ela tivesse elementos argumentativos para conversar.
Assim foi feito, porém, em casa houve uma grande resistência, e para dizer a verdade, um inconformismo, uma indignação, ainda mais quando souberam que ela já tinha conversado com a psicóloga da escola- no caso eu- e tinha sido entendida, e porque não dizer, apoiada.
Chegou então o momento da psicóloga falar com os pais. Agendamos a data e assim eles chegaram com uma atitude inicialmente resistente e duvidosa. Levei adiante o acolhimento à esses pais, procurando exercer a empatia, colocando-me no lugar deles, mas também colocando-me no lugar da filha-aluna, que expõe claramente o seu não desejo de fazer Medicina. E ficava claro que não era medo do vestibular- era uma aluna que se saia muito bem nas questões pedagógicas.
Na conversa, a mãe discorre sobre todo o seu "calvário" na profissão que escolheu, sua infelicidade como profissional, sua não realização, e o meu papel naquele momento era deixar claro a diferenciação do ser pessoa. Ela era uma, a filha era outra. Ela tinha um desejo, a filha tinha outro, e quem teria que exercer a profissão escolhida era a filha e não ela.
O pai, uma pessoa mais simples, mas bastante assertivo, também lamentava o rumo que a escolha profissional da filha estava tomando, mas disse que respeitaria por entender que ninguém sentiria-se feliz fazendo todos os dias algo que não o realizasse, e que como percebia isso na esposa, não queria também isso para a filha.
Ressalto que pra chegarmos em um consenso, fiz 4 atendimentos desses pais, e paralelo à isso, continuava atendendo a filha-aluna para realmente ajudá-la a ter a mínima possibilidade de erro. Nesse caminhar fomos indo pela área de Biológicas e das Letras, tentando talvez uma profissão que fundisse essas duas áreas em que ela mostrava interesse.
Pesquisou Fonoaudiologia, consegui que ela passasse uma semana com uma fonoaudióloga, acompanhando seus atendimentos para alunos com déficit de atenção, dislexia, alunos com alteração do processamento auditivo central, que necessitavam de trabalhos em cabines, e assim ela percebeu que a grande paixão que tinha pela língua portuguesa, pela biologia e pelo desejo de ajudar pessoas, se fundiam, de acordo com a pesquisa dela, no curso de Fonoaudiologia. E assim; foi esse Vestibular que prestou. Entrou na Universidade Pública, e quando estava no 3º ano da faculdade me visitou-" eta coisa boa" rever esses alunos tão queridos- pra me contar que estava muito feliz por já estar estagiando, inclusive sendo remunerada, e as grandes perspectivas que estava enxergando à frente.
A conclusão que tiro disso: pais- deixem que seus filhos expressem tudo o que desejem desde a hora que começam à falar. Isso é um exercício de idas e vindas que vão acontecer a vida toda. E não necessariamente significam que eles selam um acordo com vocês quando falam que querem ser astronauta, piloto de avião, médico, advogado. São exercícios de escolha, que só serão efetivamente certeiros, no momento em que seu filho começar a atuar na profissão escolhida.
Como os pais podem ajudar os filhos na situação do vestibular?
ResponderExcluirO vestibular por si só já vêm "pesado". Existe a expectativa do próprio vestibulando em ir bem na prova, a maioria com a expectativa de entrar na Universidade pública. No entorno desse jovem há expectativas da família, da escola, dos amigos. Isso é normal. Seria muito ruim para o jovem se percebesse que ninguém está "nem aí" se ele vai sair-se bem ou não.
ExcluirO papel fundamental dos pais é dar tranquilidade à esse filho, que o vestibular é só mais uma etapa na vida dele, necessária; e que todos os jovens nessa idade que pretendem fazer uma graduação, passam por isso. Há que se evitar também a pressão para que o filho passe já na primeira tentativa. O que mais o filho deseja é passar e dar "esse presente" aos pais, que geralmente são aqueles que mais proximamente apoiam o filho. O desejo que o filho passe na Universidade pública também costuma aparecer muito nos meus atendimentos. E quem trabalha com isso sabe que, não é uma tarefa fácil. Requer muito empenho, requer uma tranquilidade no dia do exame, requer até a possibilidade de não passar e ter que fazer um cursinho, e isso não pode ser o "fim do mundo". Portanto o apoio emocional, o "colo", o dar espaço para o filho falar de seus medos são fatores essenciais para o jovem se acalmar, e com essa calma até sair-se melhor do que se estiver muito aflito.